A Trilogia do Sprawl, de William Gibson por Michel Peres

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Os livros "Neuromancer", "Count Zero" e "Mona Lisa Overdrive" lançaram novos paradigmas de escrita, tornaram público expressões como Matrix, cracker e ciberespaço e abriram as portas para a carreira literária de um dos escritores mais aclamados dos últimos trinta anos. O que mais?

O "profeta noir". O homem que cunhou o termo ciberespaço. Um dos fundadores dos subgêneros literários conhecidos como "cyberpunk" e "steampunk". Esses são apenas alguns dos epítetos que tendem a acompanhar o nome do escritor americo-canadense William Gibson, autor, dentre outros livros, da delirante trilogia do Sprawl, um marco do revigoramento da ficção científica na era da informação.
"Neuromancer", publicado em 1984, é o livro que abre a trilogia. Foi também o primeiro romance a ganhar a "tríplice coroa" da ficção científica (os prêmios Nebula, Hugo e Philip K. Dick). A série continua com "Count Zero" (1986) e "Mona Lisa Overdrive" (1988).


O enredo dos três livros se desenvolve em uma realidade futura não tão estranha para nós, seres do século 21, mas certamente obscura para um leitor médio da década de 1980: queda da Nação como modelo, pessoas modificadas por próteses de membros ou biochips, cidades inteiras situadas em órbitas espaciais, lutas pelo poder entre grandes corporações e uma espécie de alucinação coletiva digital, a Matrix, acessada por computadores, na qual a humanidade inteira está conectada. Um espaço possivelmente ilimitado, eletrônico, absurdo. O ciberespaço. O mundo de Neo, personagem de Keanu Reeves nos filmes da série Matrix, onde as leis da física mecânica de Newton viram purê, tem sua inspiração nas incursões dos cowboys Case e Bobby Newmark no ciberespaço.

O Sprawl que nomeia a trilogia, também chamado às vezes de BAMA, é uma mega cidade que abrange a área de Boston a Atlanta, incluindo os territórios de Washington e Nova York. A história dos livros, entretanto, não fica restrita àquilo que conhecemos como EUA. A trama se expande para Tóquio, Londres, Rio de Janeiro, Nova Deli, Bruxelas, Paris, Istambul, Malibu, Hamburgo, México, Panamá, passando por estações espaciais e cidades em órbita (cuidado com a SAE - Síndrome de Adaptação Espacial - o jet lag em gravidade zero, o mal-estar do viajante do futuro).

Há nesta trilogia uma espécie de trabalho pop futurístico, perceptível em certas passagens, quando William Gibson se apropria do nome de algumas marcas que realmente existem e as insere, porém, em um contexto mercadológico que não é comum a elas. Exemplos são o helicóptero de combate Honda, em "Count Zero", ou o microrrobô da empresa alemã Braun, em "Neuromancer".

Assim como em outros livros de Gibson, como "A Máquina Diferencial" (1990) ou "Reconhecimento de Padrões" (2003), a relação entre literatura e artes plásticas ocorre aqui de maneira intensa, seja na citação de artistas, como o surrealista Joseph Cornell, ou ao imaginar movimentos (Katatonenkunst) e máquinas criadoras de "assemblages" (o "fazedor de caixas" de "Count Zero"). O próprio Gibson desenvolveu peças colaborativas junto a artistas como Robert Longo, Dennis Ashbaugh, e grupos como La Fura Dels Baus e Holy Body Tattoo. Sua influência na música talvez seja mais lembrada pelo disco e turnê "Zooropa", do U2, vigorosamente inspirados pelo universo do Sprawl.

Bruce Sterling, um dos escritores relacionados ao movimento "cyberpunk" e co-autor de "A Máquina Diferencial", afirmou em certo momento que os primeiros textos de Gibson envolvem uma combinação de tecnologia e personagens vivendo no limite de uma vida marginal, a "low life". Através dessa constatação consegue-se perceber duas das mais poderosas fontes literárias de William Gibson: a ficção científica, sua "cultura literária nativa", como o próprio afirmou no documentário de 2000 "No Maps for These Territories", e a escrita mutante de William Burroughs, que influenciou toda uma geração de escritores, artistas e músicos pós-1960, autor de "Junkie", "Almoço Nu" e "Cidades da Noite Escarlate".

A trilogia do Sprawl constitui os primeiros textos de onde surgiu a ideia de que William Gibson é uma espécie de visionário tecnológico, um profeta da pós-modernidade, títulos que ele recusa de maneira enfática. Talvez ele pertença, na verdade, a uma longa linhagem de romancistas, que passa por Burroughs, Dick e Ballard, estendendo-se até o início do século XX e final do XIX, com Kafka e Verne, que souberam ler com uma atenção mais cuidadosa o mundo ao seu redor. Afinal, como Gibson já disse: "O futuro está aí - só não está plenamente distribuído".

E então? Vale a pena conferir uma obra dessas nao acham? Achei muito interessante para quem gosta de livros deste tipo e para quem gosta de tecnologia.

2 comentários :

  1. Olha, parece bom!

    Vou buscar conferir mais ;)

    bj!

    www.vicio-de-leitura.com

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